O G1 ouviu histórias de três mulheres amazonenses que tiveram que largar suas profissões por conta da violência doméstica.
Luzia tinha o sonho de ter uma casa própria com o marido e os filhos. Cida queria trabalhar como professora. Ana desejava ter independência para escolher pelo menos as próprias roupas. O G1 ouviu histórias de três mulheres amazonenses, que tiveram seus planos interrompidos por conta da violência doméstica.
Em Manaus, 9.634 casos de violência doméstica foram registrados entre janeiro e junho deste ano. Em 2020, durante o isolamento social, os registros chegaram a 10.312, no mesmo período. Em 2019, o número de casos registrados nesse período foi de 7.494.
A manicure Luzia Maia (nome fictício) estava casada há cinco anos quando começou a sofrer violência doméstica. Ela conta que as agressões se intensificaram depois que ela e o marido conquistaram a casa própria e mudaram para um bairro longe da família de Luzia.
“Eu me sentia acuada, porque na época eu dependia dele para pagar as contas. Precisava dele para comer, me vestir, me manter. Quando a gente foi morar em uma casa só nossa, ele começou a me agredir com frequência. Eu ficava de três a quatro dias sem sair de casa para esconder as marcas”, relembra.
Luzia conta que recebia diversas ameaças no dia a dia, mas não tinha apoio para denunciar. Ela relembra que o pior dia vivido por ela no relacionamento foi quando descobriu que o marido estava cavando um buraco no quintal de casa.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
“Ele vivia dizendo que um dia iria me matar e certo dia eu descobri até que ele estava cavando um buraco no quintal. Nesse dia ele me puxou, rasgou a minha roupa e pegou um pedaço de pau para me bater. Eu comecei a chorar e ele começou a rir do meu desespero, da minha agonia”, frisou.
A professora Cida Moares (nome fictício), de 63 anos, chegou a concluir a faculdade de pedagogia, mas não pôde lecionar por muito tempo. O marido a impediu de sair de casa para dar aula, sair com as amigas e até conversar com os vizinhos.
“Ele sempre falava: ‘Pra quê trabalhar fora, se você tem tudo dentro de casa? O que você ganha não dá para nada. Cuida de mim que você ganha muito mais’. E eu saí do meu trabalho. Depois de um tempo ele falou: ‘Pra quê dois carros?’ E eu tive que vender meu carro”, lembrou. “Ele me proibiu de conversar com as pessoas, conhecer os vizinhos e ter amigas. De 18 casas que tinha na nossa rua, eu falava apenas com duas vizinhas. Ele me chamava de burra, de chula, de tudo que era ruim”, diz.
A costureira Ana Oliveira (nome fictício), de 28 anos, não conseguia nem escolher as próprias roupas. O marido levava o que considerava apropriado para vestir direto para casa. Ela conta que, dentro de casa, o único direito que tinha era aceitar o que o marido provia.
“Quando eu pedia dele para sair, ir passear em algum lugar, ele me falava que eu não tinha direito de nada em casa e não poderia pedir nada. Era difícil porque eu não conhecia ninguém no bairro, não tinha como pedir ajuda. Ele me batia de cinturão, me batia com a parte de trás do terçado, com pedaços de pau, vassouras. Na hora da humilhação, ele até me cuspia”, afirma.
Lei pune agressores
A Lei 11.340, conhecida como Maria da Penha, que pune agressores que cometem violência doméstica e familiar no País, completa 15 anos no mês de agosto.
Neste ano, o Governo Federal sancionou a Lei nº 14.188/2021, que inclui também o crime de violência psicológica no Código Penal. Com a inclusão, a violência psicológica se torna motivo de afastamento imediato do agressor da vítima, o que antes só era previsto com risco à integridade física.
A titular da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher, delegada Débora Mafra, enfatiza que a violência psicológica está atrelada à violência física na maioria dos casos.
“O principal tipo de violência registrado aqui na delegacia é a psicológica, porque ela geralmente acontece junto com a violência física. Ela é a primeira que começa a existir em um relacionamento abusivo”, afirma.
A Delegacia da Mulher é a porta de entrada de vítimas violência a vários outros serviços, como o acolhimento social e psicológico, oferecidos pelo Sistema de Apoio Emergencial à Mulher (Sapem), que fica no anexo das três unidades da Delegacia da Mulher e o Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher (Cream), que após a triagem, realiza encaminhamentos para cursos, assistentes sociais e psicólogas.
A delegada conta que, em muitos casos, as vítimas de violência chegam fragilizadas no momento de registro do Boletim de Ocorrência, por isso, serviços especializados são formas diferenciadas de atender as vítimas.
“As mulheres chegam muito fragilizadas, temendo pelas suas vidas, pelos filhos. O Sapem começa a fazer o atendimento psicológico e de assistência social e a parte da Ronda Maria da Penha faz a fiscalização do cumprimento das medidas protetivas”.
Como denunciar
Em casos de violência contra mulheres, as vítimas podem denunciar pelos números 180, 181 e 190. Além disso, mulheres também podem entrar em contato com o Canal de Denúncia dos Direitos Humanos, o Disque 100.
Em Manaus, os Boletins de Ocorrência podem ser realizados nas três unidades da Delegacia da Mulher:
Rua Nossa Senhora da Conceição, bairro Cidade de Deus, Zona Norte.
Avenida Mário Ypiranga Monteiro, bairro Parque Dez, Zona Centro Sul.
Rua Desembargador Felismino Soares, bairro Colônia Oliveira Machado, Zona Sul.
FONTE: G1 AM