A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid retoma nesta quinta-feira (20/05) o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, iniciado no dia anterior. A perspectiva é que os senadores críticos à atuação do governo de Jair Bolsonaro frente à pandemia elevem a pressão sobre o general, confrontando-o sobre contradições do seu primeiro dia de participação na comissão.
Para esses parlamentares, as respostas do ex-ministros sobre o incentivo ao uso de cloroquina pelo governo federal, a recusa a ofertas iniciais de vacina e à falta de oxigênio em Manaus não correspondem a fatos que podem ser checados por meio de documentos e outros registros do último ano.
“O depoimento do ministro Pazuello foi verdadeiramente sofrível. Infelizmente, ele mentiu muito”, criticou o senador Renan Calheiros (MDB/AL), relator da CPI, em entrevista coletiva na noite de ontem.
O depoimento foi interrompido porque a comissão não pode funcionar quando o plenário do Senado inicia uma sessão – como havia ainda 23 senadores inscritos para inquirir o ex-ministro quando isso ocorreu, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSB-AM) considerou que não valeria a pena retomar a sessão ainda na quarta-feira à noite.
O adiamento acabou dando tempo extra para senadores checarem as falas de Pazuello e confrontá-lo na sessão desta quinta.
Confira a seguir quatro respostas do ex-ministro à CPI que deverão ser questionadas neste segundo dia.
1) Bolsonaro “nunca deu ordens”
Ao contrário de seu antecessor no comando do ministério, Nelson Teich, que disse ter deixado a pasta por falta de autonomia, Pazuello disse à CPI que Bolsonaro “nunca deu ordens diretas para nada” enquanto ele foi ministro.
“Em momento algum o presidente me desautorizou ou me orientou a fazer nada diferente do que eu estava fazendo”, afirmou ainda na CPI. “As orientações foram fazer a coisa acontecer o mais rápido possível.”
Em outubro do ano passado, no entanto, o general Pazuello afirmou em um vídeo ao lado de Bolsonaro que sua relação com o presidente “era simples”. “Um manda e o outro obedece”, disse.
A gravação foi feita durante uma visita do presidente ao então ministro, naquele momento diagnosticado com covid-19. O encontro ocorreu um dia depois de Bolsonaro ter publicamente desautorizado o general sobre a compra da CoronaVac, vacina desenvolvida pelo Instituto do Butantan (órgão paulista) em parceria com um laboratório chinês.
Naquele momento, a pasta de Pazuello havia assinado um protocolo de intenção para a compra de 46 milhões de doses após pressão de governadores para o ministério agilizar a compra de imunizantes.
Após o anúncio, porém, Bolsonaro disse a jornalistas: “Já mandei cancelar, o presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”. Ao responder no Facebook um apoiador que pediu que não fosse adquirida vacina da China, o presidente também disse: “Não será comprada”.
Sobre isso, Pazuello afirmou à CPI que a fala de Bolsonaro foi “uma posição como agente político na internet” e que isso não interferiu em nada na discussão que havia com o Instituto Butantan.
“Uma fala na internet não é uma ordem”, disse Pazuello. “Bolsonaro nunca falou para que eu não comprasse. Ele falou publicamente, mas para o ministério ou para mim, nunca falou”, insistiu.
2) “Não recomendei uso da hidroxicloroquina”
O ex-ministro foi cobrado sobre as ações do governo para estimular o chamado “tratamento precoce”, um coquetel de medicamentos sem eficácia comprovada contra covid-19 que inclui substâncias como hidroxicloroquina, cloroquina, azitromicina e invermectina e o vermífugo annita.
Pazuello buscou se eximir de responsabilidade sobre isso. “Não recomendei uso da hidroxicloroquina nenhuma vez”, afirmou.
Porém, no mesmo vídeo gravado ao lado do presidente em outubro de 2020, Pazuello relata que estava se sentindo melhor da infecção por coronavírus após ter usado o “kit completo” de medicamentos, citando hidroxicloroquina, annita e azitromicina.
Bolsonaro então questiona Pazuello: “Se algum médico não quiser receitar cloroquina, o que ele (o paciente) faz?”.
O general então responde: “Chama outro médico, e se o paciente quiser tomar assina lá o compromisso (reconhecendo os riscos do medicamento) e o médico receita”.
Além das declarações públicas de incentivo ao uso de medicamentos sem eficácia contra covid, um dos primeiros atos da gestão Pazuello foi editar em maio de 2020 uma nota informativa que orientava sobre doses da cloroquina a serem ministradas tanto no caso de pacientes com quadros leves de covid, como nos casos graves.
Seu antecessor, Nelson Teich, havia deixado o governo justamente por não aceitar a publicação dessa nova orientação.
Questionado na CPI sobre essa nota, o ex-ministro disse que ela não recomenda o uso da cloroquina, mas “apenas orienta doses seguras caso o médico prescreva”.
No entanto, quando Pazuello assumiu o Ministério da Saúde, a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) disse explicitamente no Twitter que “a missão” do general era liberar a cloroquina para tratamento da covid-19.
“Uma BOA NOTÍCIA para o povo brasileiro: General Pazuello assume interinamente o @minsaude com a missão de liberar o uso da cloroquina desde o início dos sintomas da Covid-19! Não podemos mais adiar a utilização de uma possibilidade promissora de salvar muitas vidas!”, escreveu a parlamentar.
Médicos e cientistas críticos do uso de medicamentos sem eficácia comprovada dizem que eles podem ter efeitos colaterais graves para alguns pacientes. Eles também dizem que a promoção do “tratamento precoce” passa à população a falsa ideia de que pode se expor mais ao contágio do coronavírus porque estaria protegida da doença com o uso desses remédios.
Esses especialistas ressaltam ainda que a grande maioria das pessoas com covid-19 consegue se curar independentemente dos medicamentos que toma – atribuir essa melhora ao uso de remédios sem eficácia comprovada seria o mesmo que considerar que o paciente se curou porque ingeriu água.
3) Oferta da Pfizer ignorada
Pazuello negou que o governo tenha deixado de responder ofertas da Pfizer para a compra de 70 milhões de vacinas no ano passado e culpou as cláusulas do contrato e o preço oferecido pela farmacêutica pela recusa do governo às propostas.
“Foram respondidas. A resposta à Pfizer é uma negociação que começa com a proposta e termina com a assinatura do memorando de entendimento para compra”, disse Pazuello. “Quando nós tivemos a primeira proposta oficial da Pfizer, ele chegou com 5 cláusulas que eram assustadoras”, disse o general à comissão.
Já o ex-presidente da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, afirmou à CPI que as propostas iniciais feitas pela empresa nos dias 14, 18 e 26 de agosto não foram respondidas pelo governo.
“A proposta de 26 de agosto tinha validade de 15 dias. Passados 15 dias, o governo não rejeitou e nem aceitou a oferta”, disse Murillo.
Depois disso, nova oferta foi feita em 12 de setembro por meio de carta direta ao presidente Bolsonaro com cópia para Pazuello, o vice-presidente Hamilton Mourão, o então chefe da Casa Civil, Braga Neto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o embaixador brasileiro em Washington, Nestor Foster.
Nenhuma resposta foi dada à farmacêutica, informação que foi confirmada à CPI por Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro.
Ele disse que foi avisado dessa falta de resposta pelo dono da RedeTV!, Marcelo Carvalho, que por sua vez soube disso por meio de uma apresentadora da emissora casada com um executivo da Pfizer.
“A carta foi enviada em 12 de setembro. O dono do veículo de comunicação me avisa em 9 de novembro que a carta não havia sido respondida. Nesse momento, eu mando um e-mail ao presidente da Pfizer, que consta nessa carta. Eu respondi essa carta no dia em que eu recebi, 15 minutos depois “, disse Wajngarten à CPI.
Com isso, apenas em março o governo fechou a compra de 100 milhões de vacinas da Pfizer, com previsão de entrega de 13,51 milhões de doses no segundo trimestre e de mais 86,48 milhões de doses no terceiro trimestre.
Para justificar a demora, Pazuello afirmou à CPI que o governo não concordava com cláusulas do contrata da Pfizer. O ex-ministro citou exigências como a isenção de responsabilidade por efeitos colaterais, transferência do fórum de decisões sobre questões judiciais para Nova York, pagamento adiantado e não existência de multa por atraso de entrega.
As exigências são as mesmas feitas pela empresa para outros países e similares a propostas de outras empresas.
“Hoje já temos outras propostas com essas cláusulas, mas na época não havia”, afirmou.
“Talvez hoje possamos ouvir com um grau de normalidade. Mas a primeira vez que eu ouvi isso achei assustador”, disse ainda Pazuello.
4) Falta de oxigênio em Manaus
Pazuello também foi cobrado sobre a responsabilidade do governo federal na falta de oxigênio em Manaus a partir de 14 de janeiro, problema que levou a centenas de mortes de pacientes com covid-19.
À CPI, Pazuello disse que no dia 7 de janeiro o secretário de Saúde do Amazonas lhe pediu apoio no transporte de oxigênio de Belém (Pará) para o interior amazonense e que isso foi feito pelo Ministério da Saúde no dia seguinte. Segundo ele, nada foi dito nesse contato sobre risco de colapso na oferta de oxigênio em Manaus.
O ex-ministro disse ainda ter determinado no dia 8 de janeiro a ida de todos os secretários do Ministério da Saúde junto com ele à capital amazonense “não pela falta de oxigênio, mas pelo colapso que estava ficando claro na rede como um todo”, em referência à falta de leitos e insumos de forma geral.
“No dia 10, eu me reuni com o governador (Wilson Lima) e o secretário (estadual de Saúde). Foi a primeira vez que o secretário colocou de forma clara de que havia problemas na logística e no fornecimento efetivo de oxigênio para Manaus”, disse ainda.
No entanto, uma comitiva do Ministério da Saúde já havia ido a Manaus em 3 de janeiro para avaliar o estado crítico do sistema de atendimento na cidade.
Além disso, um documento de 4 de janeiro produzido pelo Ministério da Saúde e com o nome de Pazuello afirma que “há possibilidade iminente de colapso do sistema de saúde, em 10 dias”, segundo uma reportagem da Agência Pública.
FONTE: Mariana Schreiber – @marischreiber- BBC News Brasil em Brasília