A Lei nº 2.767, de 23 de julho de 2021, que nomeia uma praça no bairro Praça 14 de Janeiro como Praça Oscarino Peteleco, é contestada pela comunidade negra do bairro. O presidente do Inaô (Instituto Nacional Afro Origem), Christian Rocha, afirma que o local homenageava Nestor Nascimento, ativista negro do Amazonas com destaque internacional. A alteração foi vista como uma ofensa e o movimento negro na capital quer a revogação da lei.
Para Christian Rocha, a mudança foi um golpe à comunidade negra. “Você retirar o nome do Nestor Nascimento de uma praça, dentro de um bairro que representa a resistência, é muito triste. Isso vindo dos representantes do povo no âmbito municipal”, diz.
A lei, sancionada pelo prefeito David Almeida, é oriunda do Projeto de Lei nº 354/2021 do presidente da CMM (Câmara Municipal de Manaus), David Reis (Avante). A proposta foi aprovada por unanimidade em sessão no último dia 6 de julho. O PL não cita o nome de Nestor Nascimento, somente informa que a praça fica entre a Avenida Japurá esquina com Rua Afonso Pena, no bairro Praça 14 de Janeiro.
“Eu não sei se foi má vontade ou se foi de propósito. Eu prefiro acreditar que foi desconhecimento porque a causa negra não é contemplada na agenda dos parlamentares do município. E por não ser contemplada, a gente passa por essas situações, do presidente da Câmara simplesmente criar um projeto de lei que atropela o nome do Nestor Nascimento”, critica Rocha.
O ATUAL procurou o vereador para saber as razões da mudança, mas David Reis não atendeu às chamadas e nem respondeu as mensagens.
Christian vê o episódio com preocupação. “A gente fica preocupado porque se eles passam por cima da nossa referência, por cima do símbolo do movimento negro que foi o Nestor, fundador do movimento Alma Negra, um dos primeiros líderes do movimento negro”.
Além do movimento, fundou a Associação dos Moradores e Amigos do bairro Praça 14 e era sócio fundador da Escola de Samba da Vitória Régia. Em 1997, fez viagem aos EUA a convite do presidente Bill Clinton por sua atuação na defesa dos direitos humanos. Foi procurador-chefe da CMM de 1966 a 1997, entre vários outros cargos públicos. Nestor morreu em 2003, aos 56 anos.
De acordo com Christian, não houve consulta sobre a mudança. “Isso aí é praticamente, na verdade é a conclusão, veio para referendar o que realmente significa a causa negra para os parlamentares”.
O representante afirma que na manhã desta terça-feira (27) foi à CMM e conversou com o líder do prefeito, vereador Marcelo Serafim (PSB). Segundo Christian, nesta quarta-feira (28) se reunirão com o presidente da Câmara.
O ativista esclarece que não é contra a homenagem à Oscarino. “Não é diminuindo o senhor Oscarino Peteleco, não é tirando nenhum mérito dele. Até porque ele já tem uma homenagem em uma praça no Prosamim Praça 14”.
Oscarino Farias Varjão foi um famoso ventríloquo amazonense que ganhou fama nacional. O artista ficou famoso com o boneco ‘Peteleco’, tornado Patrimônio Imaterial Cultural do Amazonas. Faleceu em abril de 2018, aos 81 anos.
Em 2019, o governo estadual inaugurou o Parque ‘Dois Amigos: Oscarino e Peteleco’, no bairro da Cachoeirinha, entre a rua Duque de Caxias e o Parque Residencial Mestre Chico II, do Prosamim na Praça 14. Oscarino morava na Rua Major Gabriel, no mesmo bairro.
Jamily Souza, prima de Nestor Nascimento, afirma que no local tinha uma placa identificando a praça com o nome do ativista, mas que foi retirada.
“Em novembro de 2013, no calor das comemorações do Dia da Consciência Negra, o deputado federal Bosco Saraiva, na época vereador, encaminhou uma indicação propondo que a praça localizada na Av. Japurá, bairro Praça 14 de Janeiro, recebesse o nome do ilustre personagem daquele lugar, o nosso eterno amigo Nestor Nascimento”, disse.
No SAPL (Sistema de Apoio ao Processo Legislativo), no site da Câmara Municipal, não consta nenhuma matéria relacionada a Nestor. Porém, a assessoria da Casa Legislativa informa que por ser antiga, pode ser que a lei não esteja no sistema. Segundo a Câmara, estão sendo disponibilizadas normas desde 1970, mas é um trabalho que ainda está em andamento. Na ferramenta de busca, só é possível pesquisar projetos a partir de 2014. O ATUAL consultou a Prefeitura de Manaus para saber qual lei batizou o local com o nome de Nestor e aguarda retorno.
Em requerimento do dia 21 de junho deste ano, o vereador William Alemão (Cidadania) pede que a Seminf (Secretaria Municipal de Infraestrutura) faça serviços de reforma nas estruturas da praça Nestor Nascimento. O endereço informado é o mesmo da Lei que rebatiza o local.
Para o historiador Juarez Silva Junior, servidor no arquivo central do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas), a mudança é uma desconsideração não apenas com a comunidade da Praça 14, mas com toda a comunidade negra e movimentos sociais amazonenses. “Isso se torna ainda mais esdrúxulo ao observar que se pretende retirar uma justa homenagem para simplesmente dobrar outra no mesmo contexto, já que é existente na mesma região um parque que homenageia Oscarino e Peteleco”, diz.
FONTE: Por Iolanda Ventura, da Redação/AMAZONAS ATUAL