Acordo prevê senadores de oposição ou independentes nos postos de comando. CPI deve ter como foco inicial demora na aquisição de vacinas e propaganda estatal de remédios sem eficácia.
O Senado instala a partir das 10h desta terça-feira (27) a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, destinada a apurar ações e omissões do governo federal e eventuais desvios de verbas federais enviadas aos estados para o enfrentamento da pandemia.
Na primeira reunião, os membros da comissão elegerão o presidente e o vice-presidente da comissão. Cabe ao presidente, em seguida, indicar um senador para relator da CPI. Nesta segunda-feira, um juiz federal suspendeu a indicação do senador Renan Calheiros (MDB-AL) para relator da comissão (leia mais abaixo).
A sessão será semipresencial – os senadores podem discursar de forma remota, mas terão de ir ao prédio do Congresso para votar.
Há também a expectativa da definição de um plano de trabalho – possivelmente em reunião a ser marcada para esta quarta (28). O plano vai definir, por exemplo, o horário e os dias de funcionamento da comissão e será uma espécie de guia para a atuação da CPI. A apresentação desse documento cabe ao relator.
O início dos trabalhos se dá num momento em que o Brasil se aproxima da marca das 400 mil mortes por Covid-19. Somente nos primeiros quatro meses deste ano o país acumulou a quantidade de vítimas de todo o ano de 2020 – no domingo (25), foram contabilizadas 195.949 mortes pelo coronavírus neste ano, enquanto entre 17 de março e 31 de dezembro do ano passado houve 194.976.
Acordo para presidente, vice e relator
Um acordo pré-estabelecido entre a maioria dos 11 titulares prevê os senadores Omar Aziz (PSD-AM) na presidência, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) na vice-presidência e Renan Calheiros (MDB-AL) na relatoria.
O trio é visto com cautela pelo governo. Omar Aziz é tratado como um senador independente. No entanto, espera-se que o parlamentar amazonense cobre de maneira mais enfática o colapso da saúde em Manaus, onde pessoas morreram por falta de oxigênio.
O indicado para vice, Randolfe Rodrigues, é um conhecido adversário de Jair Bolsonaro e atualmente ocupa a liderança da oposição no Senado.
Renan barrado por juiz federal
Renan Calheiros também é avaliado como parlamentar oposicionista. Inicialmente, o governo tentou barrar politicamente a indicação dele para a relatoria. Em outra frente, buscou uma aproximação com Calheiros.
Há uma semana, o presidente Jair Bolsonaro telefonou para o governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), filho do senador, sinalizando interesse em manter um diálogo com o provável relator.
Nesta segunda, ao decidir sobre uma ação impetrada pela deputada Carla Zambelli (PSL-SP), aliada de Bolsonaro, a Justiça Federal concedeu liminar (decisão provisória) que suspendeu a eventual escolha de Renan para relator.
Mesmo após a decisão, Aziz afirmou que, se for eleito presidente, manterá a indicação de Renan. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), diz que foi notificado da decisão, mas afirmou que seria “antirregimental” da parte dele interferir no processo de escolha do relator da CPI da Covid.
Se confirmado na relatoria, caberá a Renan Calheiros, ao fim dos trabalhos, elaborar um parecer e encaminhá-lo ao Ministério Público ou à Advocacia-Geral da União com conclusões sobre possíveis infrações e com eventuais pedidos de indiciamento.
Ao G1, Renan Calheiros disse que, na relatoria, vai requisitar ajuda de outros órgãos de investigação.
“Está certo que requisitaremos as melhores cabeças do Tribunal de Contas da União (TCU), do Ministério Público (MP) e Polícia Federal”, afirmou Calheiros.
Disputa pela presidência
Há possibilidade de disputa para o comando da comissão. O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) corre por fora e também quer entrar no páreo pela presidência.
Embora se intitule independente, Girão tem se alinhado às pautas do governo, acusa o que chama de “acordão” da CPI.
“Mantenho a minha candidatura com convicção. Estou conversando com um a um, inclusive com os suplentes. Acredito que alguns titulares possam faltar”, afirmou.
“Sei que é difícil. O jogo está jogado, houve um acordão. Mas espero que haja uma reflexão dos colegas. O que se está pedindo é uma CPI sem conflito de interesses, na qual não haja blindagem nem ao governo federal nem sobre o destino das verbas que foram repassadas aos estados”, disse Girão, autor do requerimento que ampliou o escopo das investigações para incluir nas investigações as verbas federais transferidas aos estados e municípios — uma reivindicação do governo.
Largada
Em negociações prévias, senadores que compõem a CPI querem iniciar os trabalhos apurando o processo de aquisição de vacinas contra o coronavírus.
Estão na mira, principalmente, as negociações com a farmacêutica Pfizer, que em agosto do ano passado ofereceu ao governo brasileiro 70 milhões de doses da vacina com previsão de entrega ainda em dezembro daquele ano. A oferta, porém, foi recusada.
Em entrevista à revista “Veja”, o ex-secretário de Comunicação Social Fabio Wajngarten creditou o atraso do governo na aquisição de vacinas à “incompetência” e “ineficiência” do Ministério da Saúde, à época comandado pelo general Eduardo Pazuello.
“As negociações avançaram muito. Os diretores da Pfizer foram impecáveis. Se comprometeram a antecipar entregas, aumentar os volumes e toparam até mesmo reduzir o preço da unidade, que ficaria abaixo dos US$ 10. Só para se ter uma ideia, Israel pagou US$ 30 para receber as vacinas primeiro. Nada é mais caro do que uma vida. Infelizmente, as coisas travavam no Ministério da Saúde”, declarou Wajngarten.
Membros da CPI trabalham para convocar Wajngarten e Pazuello como uma das ações iniciais da comissão. Uma acareação entre os dois auxiliares do governo Bolsonaro também é estudada.
Em outra frente, há um esforço para avaliar se houve a adoção de medidas preventivas, como o uso de máscara e o distanciamento social, e a compra e divulgação de modelos de tratamento cuja ineficácia contra a Covid foi comprovada, como a cloroquina.
Devem ser convocados os três ex-ministros da Saúde – além de Pazuello, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich – e o atual mandatário da pasta, Marcelo Queiroga.
‘Roteiro’ do governo pode ser utilizado
Ofício elaborado pela Casa Civil a ministérios com uma lista de 23 acusações e críticas ao desempenho do governo federal no combate à pandemia também deve servir como base para as investigações (veja no vídeo acima).
A Casa Civil informou que a medida teve objetivo de levantar dados e informações que serão usados pelo governo para responder aos questionamentos da CPI.
O documento elenca, por exemplo, acusações de que houve negligência do governo na compra de vacinas; minimização da gravidade da pandemia; a falha na implementação de testagem, com testes atingindo o vencimento; falta de insumos e o genocídio de indígenas. A lista surpreendeu senadores da oposição, como mostra o vídeo ao final desta reportagem.
A oposição, porém, também quer fazer uso do ofício. “Acho que o governo se antecipou e fez uma delação com o documento. Ali tem um roteiro dos crimes cometidos pelo governo”, afirma o senador Randolfe Rodrigues.
A CPI, conforme o requerimento de criação, terá 90 dias de duração. O prazo pode ser prorrogado, mas isso depende de decisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
FONTE: Marcela Mattos e Gustavo Garcia, G1 — Brasília