Ação tem objetivo de imunizar indígenas que deixaram passar o prazo da vacinação, seja pela falta de condições de sair da comunidade ou pelo medo das reações e das fake news sobre os imunizantes.
Indígenas do Parque das Tribos, o primeiro bairro indígena de Manaus, receberam nesta quarta-feira (11) a vacina contra a Covid-19. A ação, que acontece desde terça (10), visa imunizar índios que deixaram passar o prazo da vacinação, seja pela falta de condições de sair da comunidade ou pelo medo das reações e das fake news sobre os imunizantes.
Os indígenas foram um dos primeiros grupos a serem vacinados contra o coronavírus em todo o país. No entanto, a ação era voltada para índios aldeados. Como o Parque das Tribos é um loteamento urbano, a vacina, por lá, não chegou de imediato.
O servente Francisco Mendes, de 27 anos, da etnia ticuna, estava com medo de tomar a vacina. Segundo ele, amigos que tomaram o imunizante relataram efeitos colaterais e o alertaram para não tomá-lo. No entanto, pensando na saúde das filhas, procurou a maloca da comunidade para garantir a proteção contra o coronavírus.
“Eu estava com medo, não queria tomar. Mas pensei nas minhas filhas e no medo da doença também, porque a minha família depende mim, né? Diziam que as pessoas passavam mal, com febre, dor no braço, e isso gerou um medo em mim. Mas tem que tomar, porque é muito importante não apenas para a gente, mas para quem está ao nosso redor, quem a gente ama”.
A pescadora Norlita Carvalho, de 55 anos, da etnia miranha, também foi uma das vacinadas. Ela aproveitou para levar a família inteira, que também garantiu a imunização. Mas se alguns indígenas caíram nas graças das fake news e ficaram com medo de se vacinar, na casa da pescadora, a situação era outra.
“Não estava com medo não, senhor. A gente tem fé em Deus, bota ele na frente. Meus filhos diziam: ‘ai, mamãe, eu não vou porque estou com medo’. Mas eu sempre aconselhei eles a virem, se imunizarem, porque é o único jeito de ficarmos livres dessa doença. Nós indígenas precisamos cada vez mais nos proteger mais”, disse.
Questionada sobre o porquê de ter se vacinado somente agora, a pescadora falou que quando chegou sua idade de receber o imunizante estava em Tefé, no interior do estado. Ela e o marido tentaram tomar a vacina no municípios, mas não foram autorizados: “Disseram que se tomássemos a primeira dose lá, teríamos que voltar para tomar a segunda lá também. Por isso não fomos”.
A busca ativa da equipe do Distrito de Saúde (Disa) Oeste de Manaus conseguiu vacinar, somente no primeiro dia de campanha, cerca de 460 indígenas. A expectativa desta quarta-feira (11) é imunizar ainda mais pessoas. Algumas estavam na lista de atrasados da segunda dose, mas não procuraram o serviço por falta de documentos, como o comprovante de residência.
“Aqui no Parque das Tribos nós temos 35 etnias. Como eles têm dificuldade de locomoção e até de ir a outro ponto de vacinação, nós resolvemos fazer essa ação. É um grupo que precisa de uma atenção redobrada. Algumas informações também não chegam de forma correta para eles e nós precisamos alertar, incentivar. Sempre estamos aqui fazendo campanhas assim, trazendo imunização contra outras doenças, como a influenza, e o foco agora é expandir a vacinação contra a covid”, disse o chefe do Disa Oeste, Adamor Cavalcante.
Vacinação na estrada
Além dos indígenas do Parque das Tribos, saterés-mawé da aldeia Waikiru também foram vacinados contra o coronavírus. Entre eles, mulheres grávidas e pessoas com comorbidades, como diabetes.
Como é o caso do carpinteiro José Leocádio, de 48 anos. Ele tem diabetes e deveria ter se vacinado logo no início da campanha de imunização. No entanto, ele foi mais um dos indígenas que foram atingidos pelas fake news e estava com medo.
“Eu estava com medo, sou do grupo de risco, tenho diabetes. Estava nervoso também. Diziam que se tomasse a vacina eu ia morrer. Mas o pessoal da saúde veio aqui e disseram que eu deveria ser vacinado primeiro, porque era do grupo de risco. Mandaram no grupo da comunidade e eu vim tomar e ver se a gente consegue um tempo maior de vida. Tem que ficar preocupado com o vírus, né? A gente, querendo ou não se expõe e preciso me preocupar não só comigo, mas com os outros também”.
O líder dos saterés-mawé, André Pereira, disse que a busca ativa efetivou um direito garantido na Constituição Federal em favor dos índios. “Aquilo que a Constituição diz sobre saúde diferenciada é isso. Muitos indígenas ainda não tomaram por falta de condições de irem até os pontos de vacinação. Para nós isso é uma bênção”.
Ele também explicou que busca combater as fake news dentro da comunidade, alertando os ‘parentes’ sobre a vulnerabilidade que o coronavírus impõe aos índios.
“A gente precisa se informar, saber. A moda agora é fake news, mas a gente busca passar para a comunidade o que é verdadeiro. E o que é real, o que é verdadeiro sobre a covid é que pessoas morreram por conta da doença. A gente tem que se cuidar, se proteger e isso não é só por nós, mas pelo nosso próximo também”.
FONTE: G1 AM