Um instituto ligado à Universidade de Georgetown, dos Estados Unidos (EUA), solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) para ser admitido em uma ação que pede que o Brasil assegure o acesso ao aborto nas hipóteses previstas em lei.
🔎A interrupção da gravidez é considerada legal no país em casos de estupro, de risco à vida da gestante e de anencefalia fetal. A escassez de serviços de saúde que prestam o atendimento e outros tipos de barreiras, porém, dificultam o acesso por pessoas que têm esse direito.
O instituto é um centro colaborador da Organização Mundial da Saúde (OMS), e é o único credenciado pela organização para atuar na esfera jurídica em termos de saúde global.
Na petição, o Centro Saúde e Direitos Humanos do Instituto O’Neill para o Direito Nacional e Global à Saúde diz ver “condutas omissivas e comissivas” do Estado brasileiro que violam tratados internacionais.
Aponta, ainda, “um abismo de décadas” na efetivação do direito à saúde sexual e reprodutiva de meninas e mulheres brasileiras.
➡️Ou seja, segundo a instituição, crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, por exemplo, que têm direito a esse tipo de procedimento, acabam tendo os direitos negados, ou sendo submetidas a técnicas antigas, que podem colocar suas vidas em risco.
Além do Instituto O’Neill, o pedido de ingresso na ação também é assinado pela organização Ríos, sediada em Washington, que afirma ter como objetivo promover sociedades mais justas e equitativas.
A petição foi protocolada junto à ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 989, que chegou ao Supremo em junho de 2022 e é relatada pelo ministro Edson Fachin.
➡️A ação está parada no Supremo há cerca de um ano e meio: o último despacho do magistrado ocorreu em agosto de 2023, quando foram solicitadas informações ao Ministério da Saúde sobre o tema.
Acesso limitado
A organização e o instituto estrangeiros destacam que menos de 4% dos municípios brasileiros têm serviços de saúde qualificados para realizar o aborto previsto em lei.
“Não há nem sequer um serviço para cada estado brasileiro”, pontuam.
“O Brasil, como parte de tratados internacionais que dispõem sobre esse assunto, precisa adequar os seus (poucos) serviços de atenção ao abortamento para que estejam de acordo com a normativa internacional e os estândares estabelecidos pela OMS [Organização Mundial da Saúde]”, acrescentam.
🔎O Instituto O’Neill e a organização Ríos pedem para participar da ADPF 989 como amicus curiae (amigo da corte). O termo é usado para descrever aquele que não é parte direta da ação, mas busca colaborar e dar subsídios à corte para a tomada de uma decisão.
A petição afirma que o protocolo adotado por profissionais de saúde para a realização do aborto legal ainda segue uma portaria publicada pelo Ministério da Saúde em 2005, e que procedimentos obsoletos seguem sendo feitos em pacientes, como a curetagem.
“A realidade brasileira está totalmente em descompasso com as recomendações estabelecidas pela OMS: ainda são realizadas práticas ultrapassadas, além da falta de materiais necessários para realização do aborto legal que estejam de acordo com as últimas evidências científicas ou da restrição excessiva em torno de alguns procedimentos”, diz o documento.
O Instituto O’Neill e a Ríos ainda destrincham acordos internacionais dos quais o Brasil faz parte e supostos descumprimentos que estariam sendo cometidos.
Eles também citam julgamentos ocorridos na Corte Constitucional da Colômbia, na Suprema Corte de Justiça do México e na Corte Interamericana de Direitos Humanos que poderiam servir de exemplos.
“A falta de serviços aumenta a chance de que meninas, mulheres e pessoas com capacidade de gestar busquem alternativas inseguras para realização do procedimento. Por sua vez, abortos inseguros representam grande parte das mortes maternas”, diz a petição.
🔎Além da ADPF 989, o tema do aborto também é discutido em outras ações que tramitam no STF. Uma delas é a ADPF 442, que debate a descriminalização da interrupção até 12ª semana de gestação
Violação de Direitos Humanos
Além do pedido de ingresso como amicus curae, os autores pedem que o STF declare o “estado de coisas inconstitucional” do sistema de saúde pública brasileiro em relação à realização do aborto previsto pela lei.
O reconhecimento, que já foi aplicado pela corte ao sistema penitenciário e sinaliza que a Corte admite que há uma violação sistemática e massiva de direitos humanos, portanto, pode determinar que o poder público tome providências.
A petição é assinada pela advogada Natasha Martin Lauletta, procuradora do Instituto O’Neill no Brasil.
“Acreditamos que essa ADPF é um passo importante para garantir que o aborto legal, seguro e gratuito seja efetivamente realidade no Brasil”, afirma Lauletta.
“No entanto, para além de superar todas as barreiras suscitadas na ação, é importante seguir discutindo a descriminalização do aborto. A criminalização reforça os obstáculos enfrentados por meninas, mulheres e pessoas com capacidade de gestar em obter o atendimento, mesmo quando dentro das exceções estabelecidas na lei”, completa.
Coautora da petição e diretora de estratégia da Ríos, Analia Banfi diz à GloboNews que o atendimento insuficiente torna ainda mais crítica a situação de meninas vítimas de violência sexual no país.
“Menos de 4% das meninas de 10 a 14 anos que foram vítimas de estupro e engravidaram tiveram acesso a um aborto legal. Esse número é um reflexo das diversas barreiras que elas enfrentam para acessar um serviço de saúde ao qual têm direito por serem vítimas de violência sexual e pelo sério risco de vida de continuar com a gestação”, afirma a representante da Ríos.
FONTE: Por G1