O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar na quarta-feira, 17, que suspende uma lei de Rondônia que proibia o uso da chamada “linguagem neutra” nas escolas do Estado. Na decisão, o ministro disse ver risco “imenso” de que a lei, caso fosse imediatamente aplicada, pudesse calar “professores, professoras, alunos e alunas”. A liminar deverá ser confirmada pelos demais ministros da Corte.
A “linguagem neutra”, ou “linguagem inclusiva”, — que inclui termos em que os artigos masculinos e femininos são substituídos pelas letras “x” ou “e” — visa a combater preconceitos linguísticos, retirando vieses que, usualmente, subordinam um gênero em relação ao outro.
Assim, “amigo” ou “amiga” virariam “amigue” ou “amigx”, segundo uma das propostas. As palavras “todos” ou “todas” seriam substituídas, da mesma forma, por “todes” ou “todxs”.
Conforme explicou o ministro em sua decisão, a adoção da linguagem neutra tem sido frequente, sobretudo em órgãos públicos de diversos países e organizações internacionais.
Segundo Fachin, “sendo esse o objetivo da linguagem inclusiva, é difícil imaginar que a sua proibição possa ser constitucionalmente compatível com a liberdade de expressão”.
A ação foi apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) e questiona a lei de Rondônia que proíbe a linguagem neutra na grade curricular e no material didático de instituições locais de ensino, públicas ou privadas, e em editais de concursos públicos.
Livre debate
De acordo com a entidade, a lei estadual, a pretexto da defesa do aprendizado da língua portuguesa de acordo com a norma culta e as orientações legais de ensino, apresenta preconceitos e intolerâncias incompatíveis com a ordem democrática e com valores humanos.
“A norma traz marcas de discriminação, de negação da diversidade e da liberdade de aprender e ensinar e do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e, por conseguinte, de todos os fundamentos, princípios, garantias e valores em que se alicerça e sustenta a Constituição Federal”, argumentam os autores.
No despacho, Fachin aponta que, “de forma mais grave”, a legislação questionada tem aplicação no contexto escolar, ambiente no qual, segundo a Constituição, devem imperar não apenas a igualdade plena, mas também “a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”.
“As instituições de ensino são expressão máxima dessa garantia. O ingresso no espaço público está condicionado à educação participativa, inclusiva, plural e democrática que as instituições de ensino promovem. É na educação que o livre debate de ideias, o intercâmbio de visões de mundo e o contraste de opinião têm livre curso”, afirmou o ministro.
E ressaltou:
“Somente esse ambiente prepara as pessoas para reconhecerem o melhor governo, a melhor decisão, a melhor lei e o melhor argumento. Sem educação não há cidadania. Sem liberdade de ensino e de pensamento não há democracia”.
Por isso, diante de um risco à liberdade de expressão de professores e alunos, o ministro viu argumentos suficientes para suspender a lei de Rondônia. Ainda não há data para que a liminar seja referendada pelo restante do STF.
Levantamento do GLOBO feito em julho nas 27 assembleias legislativas do País mostrou que, desde novembro do ano passado, já foram apresentadas em 14 Estados e também na Câmara Federal propostas que impedem o uso da linguagem nas escolas.
A linguagem neutra também está na mira do governo Jair Bolsonaro (sem partido), que no último dia 28 proibiu o uso da ferramenta em projetos financiados pela Lei Rouanet. A decisão foi estabelecida por meio de uma portaria publicada pela Secretaria Especial de Cultura, vinculada ao Ministério do Turismo.
O documento, já em vigor, ressalta que, em iniciativas financiadas pela Lei de Incentivo à Cultura, “fica vedado o uso e/ou utilização, direta ou indiretamente, além da apologia, do que se convencionou chamar de linguagem neutra”. Clique aqui para conferir o documento na íntegra
FONTE: Por REVISTA CENARIUM