Documentos confidenciais do Pentágono vazados nas últimas semanas forneceram detalhes de como os Estados Unidos espionam aliados e inimigos, preocupando as autoridades americanas, que temem que as revelações possam comprometer fontes confidenciais e importantes relações estrangeiras.
Alguns dos documentos, que as autoridades americanas dizem ser autênticos, expõem a extensão da espionagem dos EUA em aliados importantes, incluindo Coreia do Sul, Israel e a Ucrânia.
Outros revelam até que ponto os EUA entraram no Ministério da Defesa russo e na organização mercenária russa Grupo Wagner, em grande parte por meio de comunicações interceptadas e fontes humanas, que agora podem ser cortadas ou colocadas em perigo.
Outros documentos ainda divulgaram as principais fraquezas no armamento ucraniano, defesa aérea e tamanho e prontidão do batalhão em um ponto crítico da guerra, à medida que as forças ucranianas se preparam para lançar uma contra-ofensiva contra os russos.
A Ucrânia já alterou alguns de seus planos militares por causa do vazamento, disse uma fonte próxima ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, à CNN.
O vazamento também levou o Pentágono a tomar medidas para restringir o fluxo de tais documentos altamente confidenciais, disseram autoridades.
O Estado-Maior Conjunto, que compreende a liderança uniformizada mais sênior do Departamento de Defesa que assessora o presidente, está examinando suas listas de distribuição para ver quem recebe esses relatórios, disse um oficial da Defesa. Muitos dos documentos tinham marcações indicando que foram produzidos pelo braço de inteligência do Estado-Maior Conjunto.
A vice-secretária de imprensa do Pentágono, Sabrina Singh, disse na sexta-feira (7) que o departamento continua analisando o assunto e fez um encaminhamento ao Departamento de Justiça, que confirmou à CNN que iniciou uma investigação sobre a fonte do vazamento.
Diplomatas frustrados
Os documentos apareceram online no mês passado na plataforma de mídia social Discord, de acordo com capturas de tela das postagens analisadas pela CNN. As postagens são fotos de documentos amassados colocados em cima de revistas e cercados por outros objetos.
Embora a espionagem seja uma parte inevitável de como a comunidade de inteligência dos EUA coleta informações globalmente, diplomatas de alguns dos países mencionados disseram à CNN que era frustrante – e prejudicial à reputação dos EUA – ver essas informações expostas publicamente.
Os aliados dos EUA estão fazendo avaliações de danos, lutando para determinar se alguma de suas próprias fontes e métodos foram comprometidos pelo vazamento.
“Esperamos que os EUA compartilhem uma avaliação de danos conosco nos próximos dias, mas não podemos esperar por sua avaliação. No momento, estamos fazendo o nosso próprio”, disse um funcionário de um país que faz parte do acordo de compartilhamento de inteligência Five Eyes, que inclui Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido.
“Estamos examinando esses documentos para descobrir se alguma das informações se originou de nossa coleção”, completou o funcionário.
Um segundo oficial de uma nação da Five Eyes expressou preocupação com o vazamento de informações sobre a guerra na Ucrânia, algo que prejudicaria o país no campo de batalha.
O funcionário também apontou que foi alarmante ver um dos documentos intitulado: “Rússia-Ucrânia: batalha pela região de Donbass provavelmente caminhando para um impasse ao longo de 2023”. O documento fala sobre os desafios de avaliar a “durabilidade das operações da Ucrânia”.
“Ganhos para a Ucrânia serão difíceis de alcançar, mas não ajuda ter a avaliação privada dos EUA apontando para um provável impasse de um ano revelada publicamente”, disse o funcionário.
Espionando aliados
A CNN revisou 53 documentos vazados, todos os quais parecem ter sido produzidos entre meados de fevereiro e início de março.
Um documento revela que os EUA estão espionando Zelensky. Isso não é surpreendente, disse a fonte próxima a Zelensky, mas as autoridades ucranianas estão profundamente frustradas com o vazamento.
O relatório de inteligência, que tem como fonte a inteligência de sinais, diz que Zelensky no final de fevereiro “sugeriu atacar locais de implantação russos no Oblast de Rostov da Rússia” usando veículos aéreos não tripulados, já que a Ucrânia não possui armas de longo alcance capazes de chegar tão longe.
A inteligência de sinais inclui comunicações interceptadas, e é amplamente definida pela Agência de Segurança Nacional como “inteligência derivada de sinais e sistemas eletrônicos usados por alvos estrangeiros, como sistemas de comunicações, radares e sistemas de armas”.
A inteligência poderia explicar os comentários públicos dos EUA sobre não querer dar à Ucrânia sistemas de mísseis de longo alcance por temores de que Kiev os use para atacar a Rússia. No entanto, a Ucrânia prometeu não usar armas fornecidas para fazer isso.
Da mesma forma, outro relatório de inteligência diz que a China poderia usar ataques ucranianos contra alvos no interior da Rússia “como uma oportunidade de lançar a Otan como agressora e poder aumentar sua ajuda à Rússia, se considerar que os ataques foram significativos”.
Mykhailo Podolyak, assessor do chefe do Gabinete do Presidente da Ucrânia, disse em seu canal Telegram na sexta-feira que acredita que os documentos divulgados não são autênticos, “não têm nada a ver com os planos reais da Ucrânia” e são baseados em “uma grande quantidade de informações fictícias” divulgadas pela Rússia.
Ainda outro documento descreve, em detalhes, uma conversa entre dois altos funcionários da segurança nacional sul-coreana sobre as preocupações do Conselho de Segurança Nacional do país sobre um pedido de munição dos EUA.
Os funcionários temiam que fornecer a munição, que seria enviada para a Ucrânia, violaria a política da Coreia do Sul de não fornecer ajuda letal a países em guerra. De acordo com o documento, um dos funcionários sugeriu uma forma de contornar a política sem realmente mudá-la – vendendo a munição para a Polônia.
O documento já gerou polêmica em Seul, com autoridades sul-coreanas dizendo a repórteres que planejam levantar a questão com Washington, segundo o The New York Times.
Diplomatas disseram que autoridades de outros países também planejam levantar o assunto com Washington, mas ainda não tiveram essas conversas enquanto esperam para ver o que o governo Biden dirá sobre os documentos vazados.
Um relatório de inteligência sobre Israel, entretanto, provocou indignação em Jerusalém. O relatório, produzido pela CIA e obtido da inteligência de sinais, diz que a principal agência de inteligência de Israel, o Mossad, encorajou protestos contra o novo governo do país.
O gabinete do primeiro-ministro israelense respondeu, em nome do Mossad, na manhã deste domingo (9), chamando o relatório de “mentiroso e sem qualquer fundamento”.
“O Mossad e seus altos funcionários não encorajaram – e não encorajam – o pessoal da agência a se juntar às manifestações contra o governo, manifestações políticas ou qualquer atividade política”, disse o comunicado. “O Mossad e seus altos funcionários não se envolveram na questão das manifestações e se dedicam ao valor do serviço ao estado que tem guiado o Mossad desde sua fundação.”
Outro documento confidencial, também proveniente da inteligência de sinais, mostrou como os EUA avaliam as políticas de seus aliados – e como os EUA podem exercer sua influência para mudá-las.
O documento, intitulado “Israel: caminhos para fornecer ajuda letal à Ucrânia”, diz que Jerusalém “provavelmente considerará fornecer ajuda letal sob pressão crescente dos EUA ou uma degradação percebida” em seu relacionamento com a Rússia.
Outro documento revela o que os Estados Unidos pensam sobre as intenções de alguns países europeus de doar caças à Ucrânia, que vem pedindo aviões há mais de um ano.
Espionando os inimigos
O vazamento maciço também revela que a entrada dos EUA no Ministério da Defesa da Rússia e na organização mercenária Grupo Wagner é mais profunda do que se pensava anteriormente.
Muitas das informações sobre a Rússia foram coletadas por meio de comunicações interceptadas, levantando preocupações de que os russos pudessem agora mudar seu método de comunicação para ocultar melhor seu planejamento.
Fontes humanas também podem estar em risco. Os mapas dos movimentos e capacidades das tropas russas incluídos nos documentos são provenientes, em parte, de fontes humanas confidenciais, gerando temores entre as autoridades americanas de que esses ativos possam estar em perigo.
Os documentos mostram que os EUA foram capazes de interceptar os planos de alvos russos, incluindo usinas termelétricas, subestações elétricas e pontes ferroviárias e de veículos que as forças russas planejavam atacar dentro da Ucrânia, e quando.
Os EUA também conseguiram interceptar a estratégia russa de combate aos tanques da Otan, que entrariam na Ucrânia a partir de abril. O plano “previa o estabelecimento de três zonas de fogo com base no alcance – longo, médio e curto – com cada zona coberta por tipos específicos de armamento e unidade”.
Destacando as preocupações dos EUA sobre o Grupo Wagner, que tem milhares de funcionários operando na Ucrânia, os documentos discutem o novo recrutamento de prisioneiros russos para lutar na Ucrânia – ressaltando a “influência contínua de seu líder com Putin”, além dos planos do grupo para fortalecer sua presença na África e no Haiti.
Os documentos também fornecem uma janela para os números de vítimas de ambos os lados, números que são notoriamente difíceis de estimar com precisão e que os EUA relutam em compartilhar publicamente.
De acordo com um dos documentos, as forças russas sofreram de 189 mil a 223 mil baixas até fevereiro, incluindo até 43 mil soldados mortos em combate. A Ucrânia, por sua vez, sofreu de 124 mil a 131 mil baixas, com até 17,5 mil mortos em ação.
Pessoas mal-intencionadas já estão usando os documentos vazados para espalhar desinformação, dizem analistas. O documento com números de vítimas, por exemplo, foi alterado nas últimas semanas para reduzir mais da metade do número de mortes russas, antes de ser divulgado em canais pró-russos do Telegram.
Questionado sobre as imagens que circulam no Twitter e no Telegram, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse à CNN que “não temos a menor dúvida sobre o envolvimento direto ou indireto dos Estados Unidos e da Otan no conflito entre a Rússia e a Ucrânia”.
“Esse nível de envolvimento está aumentando, está aumentando gradualmente”, disse ele. “Estamos de olho nesse processo. Bem, é claro que torna toda a história mais complicada, mas não pode influenciar o resultado final da operação especial”.
FONTE: Por CNN